Toda vez que quero escrever sobre você, eu coloco a
mesma música. Acho que nem preciso dizer qual é, porque você deve saber bem.
Quando quero fazer doer mais, lembro daquela madrugada, dos nossos corpos
colados no escuro e Cartola tocando ao fundo, enquanto você me apresentava seus
personagens preferidos e, vez ou outra, beijava o canto do meu pescoço – aquele
lá, onde o cheiro de ninguém é igual ao de ninguém no mundo.
Lembro disso e a saudade dói e quase sufoca.
Lembro do ano novo, de você dizendo o que eu era pra
você. Da gente se beijando depois da meia noite, de eu te entregando os potes
da minha mãe – e hoje tenho certeza de que eles nunca vão voltar. Assim como
você: também tenho certeza de que você não volta mais.
Você nunca foi meu. Eu sempre fui sua. Do topo da
cabeça ao dedinho do pé, desde aquele dia 22, eu sempre fui sua. Lembro da
gente encostado no muro, do medo de acordar quem dormia, rindo e com a certeza
de que no mundo só existíamos nós dois. Ninguém mais importava. A gente mal se
conhecia e eu não tinha ideia de quanto tempo deveria reservar pra nós. Achei
que seriam duas semanas, no máximo três. Jamais imaginei que duraríamos no novo
ano.
Olho a flor amassada colada com durex no meu caderno,
a data meio apagada no canto, e quero sair correndo. Ir até sua casa, pelo
caminho que tanto amei fazer durante todos os nossos dias, te ver abrindo o
portão e te abraçar e pedir para nunca mais me deixar ir embora. Quero ficar.
Quero me aninhar em você na sua cama gigante, quero me sentir escondida ali,
naquele mundo de nós dois.
Lembro das vezes que acordei embriagada de você,
depois de uma madrugada toda ouvindo tua voz. Penso nas minhas piadas bobas que
só você dava risada, penso nas suas piadas que você contava todos os dias. Penso em nós.
O dia inteiro, eu penso em nós. Ontem lotei minha
cabeça de qualquer coisa do mundo, só para não pensar na gente. Fiz força,
engoli as lágrimas, disse que por você nunca mais choraria.
Inocência
minha.
Minha mente
te trouxe de volta em sonho e hoje escrevo para tentar reviver o que ainda
tenho de você em mim. Queria te eternizar de qualquer forma, esquecer as
palavras duras, as coisas que doeram. Guardar em mim os nossos momentos bons,
os momentos que eu pensei que nunca iria querer deixar sua casa – e você. Os
momentos que você olhava pra mim e dizia o quanto eu era bonita, os momentos em
que eu me declarei baixinho enquanto você dormia, porque não tinha coragem de
me rasgar por inteira e te contar que dentro de mim só tinha você.
Queria
voltar para quando eu ainda não sentia tanto, porque hoje, meu bem, eu sinto
muito.
- Em tenebris