Essa não é uma história muito fácil de
narrar, caro leitor. Devo lhe avisar de antemão que o começo, meio e fim são
compostos de trechos tristes e sádicos, sem muitos, ou talvez nenhum, momento feliz.
Era tarde da noite de um sábado cansado.
A bailarina havia passado horas rodopiando pelo palco, sendo encharcada de
aplausos e reverenciada com buquês de flores. Só naquela apresentação havia
recebido três cartas anônimas de fãs apaixonados que lhe prometiam o céu, o mar
e as estrelas para que ela dançasse só para eles pelo resto da vida. Ela tinha
uma caixa especial para guardar esses mimos, lia sempre que seu verdadeiro amor
não estava presente. As cartas faziam com que ela se sentisse amada, quando
quem ela amava não podia fazer com que ela se sentisse assim.
Deixou
o palco cansada, porém sorridente. Estava ansiosa pois seu amado havia lhe
prometido que naquela noite ele estaria presente. Jurou de dedinho, fez todas
as “pinky promises” que ela havia lhe pedido semanas antes. Ele estaria lá. Ele
prometeu que sim. Trocou-se na maior velocidade possível, tentou ignorar os
conhecidos e professores que seguiam parabenizando-lhe pelos corredores do
imenso teatro e chegou a porta de entrada com o coração aflito em uma mão e as
sapatilhas surradas em outra. Percorreu os olhos pelo salão, nada.
Mal sabia ela onde seu amor estava. Uma
semana atrás havia recebido um ultimo aviso de uma quadrilha da cidade vizinha;
ele teria uma semana para pagar suas dividas. Todos os seus homens já tinham sofrido
as consequencias antes, se não pagasse, seria a sua vez de sofrer. Ele andava
armado sempre, com dois ou três guarda-costas, carro blindado, roupas de marca,
uma educação impecável, cara de mau - personalidade também - e um charme
enlouquecedor. Um charme que nem uma famosa bailarina seria capaz de evitar.
Horas antes do espetáculo havia ido até o
morro quitar suas dívidas. Sabia que não tinha o suficiente e que não ia
conseguir acalmar a quadrilha por muito tempo... Ele era famoso por ser
intolerável com pagamentos de dividas e no fundo sabia que esse seria o motivo
do outro chefe também não ser. Há muito tempo não recebia trabalhos ou ganhava
um bom dinheiro, o pouco que tinha gastava com presentes para sua bailarina.
Seus homens? Eles apanhavam se reclamassem pelo atraso do salário. O amor da
bailarina era um homem muito, muito mal, mas que com ela era muito, mas muito
bom.
Haviam se amado por muito tempo. Ela
sabia quem ele era. Tinha medo, muito medo, mas não se privava desse amor. Eram
amigos de colégio antes de tudo isso. Se apaixonaram em silêncio e nunca se
declararam, até que anos depois da formatura, se encontraram em uma festa na
casa dele. Desde então, apresentações internacionais e fugas da polícia não
foram o suficiente para separá-los.
A bailarina estralava os dedos na procura
de seu amado. Não sabia da divida, não sabia do paradeiro dele. Respirava e
inspirava fundo repetidas vezes, estava impaciente e decepcionada... Só
precisava do sorriso dele para se recompor. Ele ainda estava no morro, há horas
tentava se explicar para poder sair dali e ir de encontro a ela. O chefe da
quadrilha oposta não aceitava suas desculpas, apontava o cano de uma 38 direto
em seu pescoço e ele suava frio. Estava sozinho ali. Sem seus homens, sem sua
bailarina. Não tinha mais para onde correr. Entregou-se. Os cachorros da
vizinhança uivavam e latiam assustados com o barulho dos três tiros seguidos
que o amor da bailarina havia levado. Logo depois, um negro e perfurador silêncio
se estendia pelo local.
A bailarina ainda esperava. Andava em
circulos e já não segurava mais as lágrimas. Olhava insistente para a rua e em
seguida para o relógio que já marcava as três da manhã e sussurrava baixinho:
ele não vem.
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