11.8.13

You're the reason I don't love anything


     Você estava lá ontem de novo. Com aquele jeitão de sempre, largado, jogado; sem ligar pra ninguém, sem ligar pra mim. Me olhava do mesmo jeito de sempre, sorriso de lado, mãos nos bolsos, cabelo recém-cortado. Usava aquele mesmo tênis de sempre, aquela mesma camisa, aquele mesmo topete. Andava do mesmo jeito de sempre, empurrando as costas pra trás e as pernas pra frente, como se o mundo não dependesse disso. Estava lindo, do mesmo jeito de sempre. 
    Lembro-me de ter coçado os olhos várias vezes quando te vi. Me belisquei, pisquei, senti as pernas tremerem, o coração acelerar, a garganta dar nó. Você estava ali, depois de todo aquele tempo. Estava ali parado, e olhando através de mim, como se não me conhecesse, como se nunca tivesse me visto antes, como se não me enxergasse. Você olhava o relógio incessantemente e fechava o sorriso. Olhava para os lados, batia os pés. As vezes voltava o olhar na minha direção e sorria de novo, e eu sorria, como se o mundo dependesse disso. 
     Sentei-me no banco mais próximo. Te observei ali, em pé, de frente pra mim. Queria correr até você, te abraçar, te beijar, puxar seu cabelo, sentir teu cheiro, te dar uns tapas - sim, tapas! Você sabe que merece. Suspirei te olhando, apaixonada, enfeitiçada, perdida nos teus olhos cansados e tristes, como se eu não os visse há anos. E era como se fosse. Claro que era. Você tinha sumido, e eu também. Tinha te pedido pra me esquecer, pra me deixar te esquecer, e você, pela primeira vez, me obedeceu. 
     Mas você estava ali. Estava sim. Eu podia ver, podia enxergar, podia sentir sua atmosfera ali tão próxima da minha. Não podia te tocar se esticasse os braços; me requeria mais esforços, levantar, dar cinco ou seis passos e ali você estaria, a um toque de mim. Não sei o que me prendia naquele banco, talvez eu estivesse com medo, talvez fosse teu olhar vazio me incomodando. Talvez o problema seria estar te olhando ali tão diretamente, e você fingir que eu não estava ali.
     Queria saber o que você estava fazendo, o que estava esperando. No fundo eu sabia, tinha certeza. Mas não queria acreditar, tinha que ser mentira! E então ela chegou. 
      Você sorriu. 
      Abriu os braços. 
      Ela também.
      Se aproximaram.  
      Olharam nos olhos.
      E ali, na minha frente, desrespeitando meu coração machucado, se beijaram.
      Suavemente. Calmamente. Demoradamente.
     Senti um oceano se formar em meus olhos, um garfo descer raspando minha garganta, um alçapão se abrir embaixo de meus pés. Caí.
       Fundo. No escuro. Sozinha.
     O buraco não tinha fundo. Eu continuava a cair, e cair, e cair. Todos aqueles inúmeros dias desde a primeira quinta-feira serviam de cenário para meu precipício. As lembranças em preto e branco passando pelos meus olhos, meu coração se apertando até sumir. Ploft. E era como se ele nunca tivesse existido. Não havia mais sentimento, do lugar em que você costumava morar agora sobrava um buraco grande e fundo, como nesse em que caí.
     Então parei de cair. Uma escuridão ainda maior me engolia, me puxava. Um grito alto se ecoou em meus ouvidos. Eu conhecia aquela voz. 
      Era a minha voz.
      Eu estava em minha cama, suada, tremendo. Os móveis girando, as luzes piscando. Estava confusa, não me lembrava de nada, quase. Minhas costas doíam como se eu tivesse com todas as costelas quebradas, como se eu tivesse caído de um precipício. Abri os olhos ainda com medo, ainda com dor. Meu peito sangrava, bem ali onde era para estar um coração.
     Olhei pra frente.
     Te enxerguei.
     Estava com aquele jeitão de sempre, largado, jogado; sem ligar pra ninguém, sem ligar pra mim. Me olhava do mesmo jeito de sempre, sorriso de lado, com uma mão no bolso, cabelo recém-cortado. Usava aquele mesmo tênis de sempre, aquela mesma camisa, aquele mesmo topete. Andava do mesmo jeito de sempre, empurrando as costas pra trás e as pernas pra frente, como se o mundo não dependesse disso. Estava lindo, do mesmo jeito de sempre. 
     Mas segurava com a mão livre uma coisa pequena e ensanguentada. Uma coisa pequena e trêmula, como se fosse parar seus movimentos a qualquer instante.
     Segurava meu coração, e continuava sorrindo, como se fosse ficar tudo bem.
     
- Em Tenebris     

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